Há duas semanas estreiou o filme Tropa de Elite 2 e semana passada foi ao ar nos EUA o episódio nº 200 da série Smallville. Duas obras totalmente distintas. Smallville e Tropa de Elite. Clark Kent e Capitão Nascimento. Liga da Justiça e Bope. Inúmeras diferenças, realidades distintas e muito motivo para comparar as duas produções.
A começar por seus seus cenários, a tranquila cidade de Smallville sempre precisou de vilões com poderes sobrenaturais para justificar a ação de Clark Kent, o Superboy com super-força, super-velocidade, invulnerabilidade, etc. Senão, a polícia americana - sempre muito competente quando retratada em produções da terra do Tio Sam - daria conta do recado. Já o bairro carioca de Rio das Rochas, mostrado na produção brasileira, tem um problema muito mais complicado do que apenas um Superboy resolveria. Precisaram de um apolítico Capitão (Tenente Coronel nesse filme) Nascimento para encontrar uma solução ao problema social ali vivido. Assim como em Smallville, a solução é somente fictícia. No filme, Nascimento escapa de uma tentativa de assassinato. Na vida real, provavelmente não conseguiria escapar, pois até mesmo para um filme de ação, a maneira que ele usou para escapar foi muitíssimo inteligente. Se tivéssemos alguém inteligente assim na nossa pseudo-política de segurança pública, provavelmente nossos problemas seriam bem menores.
Os protagonistas das histórias diferem muito, mas me fizeram pensar em algo que já ouvi várias vezes da boca de várias pessoas diferentes na minha vida: só o Superman daria jeito na violência do Rio. Mas logo depois de vermos o Capitão Nascimento em ação, nós passamos a ficar até mesmo com um pouco de vergonha de refazer essa pergunta. Notamos, como se alienadamente já não soubéssemos disso, que o problema da violência no Rio é 100% político e não apenas um probleminha social simples a ser curado a longo prazo. É fácil você dizer em entrevistas a jornais, que trabalhos sociais nas comunidades resolveriam boa parte das mazelas das mesmas.
Essa ingenuidade dos ditos sociólogos e antropólogos de plantão, que só aparecem nessas horas, me dá tanto nojo quanto a ação oportuna de ativistas de direitos humanos. Tornou-se tão clichê dizer que direitos humanos são para bandidos, que passamos a vulgarizar Direitos Humanos (com iniciais maiúsculas SIM) como algo imbecil. Apenas não nos damos o trabalho de lembrar a aplicação desses termos. Como vamos respeitar a vida se não respeitamos os DIREITOS dela. Alguém ainda espera que Superman, Superboy ou Batman resolva isso? Mesmo que existissem, eles seriam úteis de outras maneiras, não para resolver o problema da política de segurança das grandes metrópoles. Eu próprio passei a acreditar que bandido bom é bandido morto. Ainda acredito. Mas levantar a bandeira desse pensamento, infelizmente não é solução para nada. A podridão política é tão absurda, que precisaríamos de umas 17 chacinas tipo Carandiru não apenas em Bangu 1, mas no Congresso, na Câmara dos vereadores do Rio, no Planalto... Dentro desse cenário você entende porque era fácil que o caráter do Clark Kent é inabalável. Normal para um sujeito com poderes como os dele. Recebeu uma criação tradicional dos pais adotivos fazendeiros. É óbvio que ele ia sempre acreditar na criação que recebeu, afinal, ele sempre destoava dos demais colegas no colégio. Não que Nascimento, não tenha caráter. Pelo contrário. Ele teve que passar por uma formação policial e conviver com colegas corruptos de profissão cujas atitudes batiam de frente com tudo aquilo que ele acreditava. Sua integridade moral precisou ser muito mais inabalável do que a de Clark Kent. Os choques e dilemas morais durante a carreira de Nascimento fizeram ele ser o personagem que ele foi nos dois filmes.
Por trás dessa gente sempre vimos bandidos mascarados. Os verdadeiros bandidos estão ali, na tv, dando entrevistas, na nossa lata. Vi gente dizendo que se Tropa de Elite 2 estreiasse antes das eleições, teria provocado um efeito político muito grande na mente das pessoas, talvez mudando o resultado das eleições. Realmente ainda acho que boa parte dessas pessoas que pensam isso, ou falaram sem pensar, ou não conhecem o nosso povo. Nosso povo não tem a capacidade de entender nada que dê um pouquinho de trabalho para entender, que precise de uma postura mais racional. Pura preguiça. O mais engraçado é que em Tropa de Elite 2, há uma alusão a um grupo miliciano da Zona Oeste do Rio: a Liga da Justiça. Um grupo político-policial que posa de heróis, de salvadores de comunidades. São bandidos ou políticos? Qual o critério usado no nosso país para diferir o político do bandido se caminham tão próximos os conceitos? Apenas a eleição difere. Talvez o último resquício de democracia que ainda nos reste. Nosso presidente enaltece a tal 'inteligência do povo'. Ele diz que 'devemos ter cuidado para não subestimar a inteligência do povo'. É claro que é cômodo para ele (e muitos outros políticos) que o nosso povo continue aculturado para ter a simples capacidade de entender um filme. Um verdadeiro tapa na cara dele e de outros, que viram o filme rindo, sabendo que a história deles nunca terá fim. Brasileiro é um povo sem vergonha na cara, sofre porque gosta, masoquista 'pela sua própria natureza'. Tropa de Elite 2 deveria se chamar Tapa na Elite. É um tapa na cara de nós todos. Minha, sua e de cada um da classe média brasileira que não teve capacidade e competência de mudar isso antes.
Fliis - Boa musica continua - Repostando
Há 10 anos